domingo, 30 de maio de 2010

Algumas velas na cabeceira

Era uma típica noite de quarta-feira. Voltou do trabalho tarde, cumprimentou o porteiro e subiu as escadas até o quinto andar. Abriu a porta, escarrou no canto da parede, largou seu terno em cima da mesa e jogou-se no sofá.

Tinha sido um daqueles dias em que ele não pensava em mais nada além de sua cama o dia todo. E, quando chegava em casa, não recuperava forças para chegar até o quarto. Ficava parado alí, na sala.

Suas mãos estavam sujas, suas costas pesadas. Havia passado o dia fazendo tratos e fechando negócios. Mas pior que sua mão ou suas costas, a sua alma estava estraçalhada. Se é que ele podia chamar aquilo de alma.

Pôs a água da banheira da suíte para esquentar enquanto ia atrás uns pedaços velhos de carne que tinha na geladeira. Não foi capaz de comê-los; seria abusar da própria consciência. Fritou alguns ovos e botou-os para dentro.
Colocou mais uma vela na coleção que havia ao lado da janela. Acendeu-a com as mãos no peito, o coração apertado, mas manteu-se firme.

Andou pelos corredores do seu apartamento 4 quartos, no qual moravam apenas ele e algumas outras almas vagabundas.
Pôs o relógio ao lado da banheira, abriu a janela, e deitou-se na água fervendo - sabor de eucalipto.
Olhou no relógio: 23:43. Estava chegando. Fechou seus olhos, esperou sua hora.


23:45. Foi certeiro. O tiro pousou exatamente na cabeça do sujeito. Alguns vizinhos se desesperaram. Mas ele não. Não foi em paz, mas sabia que era justo. Foi sabendo muito bem que pra onde ele iria provavelmente não encontraria nenhuma sequer daquelas velas acesas ao lado de sua cama. Deixou-se ir, sabendo que era o certo a se fazer.
Foi obrigado a deixar seu corpo, assim como já havia obrigado outros bocados e deixá-los também.

sábado, 29 de maio de 2010

Uma paixão

É o frio na barriga
que vem de tempo em tempo.
Que me deixa sem ar,
me deixa boba.

É o lance do "vai-não-vai",
são as perguntas sem resposta.
São as ligações inesperadas,
as cartas de desculpa.

São as brigas,
as conciliações.
São as descobertas,
as novas sensações.

É tudo que muda,
que ajuda,
que desnuda.

É a pureza do sentimento,
é a inocência do sorriso.
É o aconchego do abraço,
o carinho do beijo.

São os tratos,
os maus-tratos,
os estratos.

É tudo que atrapalha,
e que depois se acerta.
É tudo que transforma a vida em paraíso.

É tudo que se aceita.
É tudo que se quer.

É o amor que se tem
e que se perde.
Mas é o amor que nunca se esquece.

Descobrindo novos conceitos

Estava me lembrando da minha infância um dia desses. Lembrei-me de quando eu ia pra casa da minha vó e chovia.... Parecia sinal de escola: todas as crianças estavam em baixo do bloco imediatamente. A gente escorregava na beirada do piso e o mais legal era chegar antes de o porteiro começar a limpar. Depois que a gente era expulso, a gente ia pra chuva mesmo, brincar na grama, com bolas, arminhas de água...

Bem, nesse mesmo dia em que me lembrei disso, choveu. E eu fui pra casa dos meus primos. Quando eu cheguei lá, senti um tremendo desconforto: cada um estava em um cômodo diferente da casa. Meu tio estava vendo televisão na sala. Minha tia, pintando a unha no quarto. E meus primos estavam no computador.
Senti um arrepio ao ver aquilo. Já estava achando estranho não ter nenhuma criança brincando na rua àquela hora e, quando subo, me deparo com as minhas crianças de frente a um computador.
Não pude fazer nada. Quando dei a ideia de descer pra brincar, fui totalmente repirimida - me senti a criança daquele quarto. Me olharam com total cara de desprezo e falaram que não podiam brincar na chuva, que iriam se molhar e adoecer.

Fiquei chocada e quando cheguei em casa só pensava naquilo. Fiquei pensando se era isso que eles faziam todos os dias: computador. Se era aquela a interação que eles diziam familiar ou se era normal tudo aquilo e eu era a errada na história. Mas depois de pensar muito, eu vi que eu estava certa. Que aquilo não era normal. Que não era tampouco saudável deixar uma criança trancafiada dentro de casa. Pior: não era saudável a própria criança querer ficar dentro de casa.

Acho que o mundo está cheio de "novos conceitos" e eu esqueci de me atualizar. Acho que hoje em dia a diversão da juventude não é o que eu chamava de diversão. Não se vêem mais famílias reunidas aos domingos, crianças brincando de bola nas ruas, jogando confete nos carnavais.

O conceito de diversão agora é ficar em casa jogando video game. É manter a sua roupa e cabelo impecavelmente limpos e arrumados, e não ver mais graças nas antigas brincadeiras de roda. É ouvir funk e ir à festas Disco.

Não consigo ver como serão os jovens do futuro. Todos tão preocupados com o mundo que deixaremos para os nossos filhos... Eu estou mais preocupada com os filhos que deixaremos para o mundo.

Tenho medo da falta de informação, da falta de conteúdo, da falta de humildade e compaixão que nascerá dentro dessas pobres crianças. Queria ser capaz de mudar tudo isso. Queria colocar o mundo dentro de cada um dos nossos futuros cidadãos

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Um pouco de Chico...

"Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão, não.
A minha gente hoje anda
Falando de lado e olhando pro chão
Viu?
Você que inventou esse Estado
Inventou de inventar
Toda escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar o perdão

Apesar de você
amanhã há de ser outro dia
Eu pergunto a você onde vai se esconder
Da enorme euforia?
Como vai proibir
Quando o galo insistir em cantar?
Água nova brotando
E a gente se amando sem parar

Quando chegar o momento
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros. Juro!
Todo esse amor reprimido,
Esse grito contido,
Esse samba no escuro

Você que inventou a tristeza
Ora tenha a fineza
de "desinventar"
Você vai pagar, e é dobrado,
Cada lágrima rolada
Nesse meu penar

Apesar de você
Amanhã há de ser outro dia.
Ainda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria

Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença

E eu vou morrer de rir
E esse dia há de vir
antes do que você pensa
Apesar de você

Apesar de você
Amanhã há de ser outro dia
Você vai ter que ver
A manhã renascer
E esbanjar poesia

Como vai se explicar
Vendo o céu clarear, de repente,
Impunemente?
Como vai abafar
Nosso coro a cantar,
Na sua frente.
Apesar de você"

(Chico Buarque)

Ultramundano

Sinto uma desesperada decepção ao olhar para o lado.
Sinto-me triste por ver que a cada dia o mundo se torna mais medíocre, e a cada dia o conceito de "mundano" vira um mau adjetivo.
Sinto-me triste porque as pessoas não se importam - ou não demonstram se importar.
Cansei de ver o lixo não que a população faz, mas que a população é.

Me cansei de escutar que o atual governador de Brasília é o Arruda, que as eleições para presidente do ano passado foram ótimas e que dá-lhe Lula por mais quatro anos! Cansei de ouvir que o Bush era um ótimo presidente e que não há nada de errado na política americana (mas que ótimo país!).

Cansei de ouvir o descaro de quem chora por bobagens, de quem se lamenta por futilidades. De quem não consegue ser humilde nem ao menos na hora de sofrer.
Cansei de ver o ócio mental que preenche o que alguns gostariam de chamar "mente". Eu chamo de consciência - ou falta dela.

Queria acordar o mundo, um por um; queria que olhassem pro lado. Queria que não tivessem em mãos não apenas seus Ipod's, Ipad's, Itouch's, mas suas camas, seus pratos, seus cobertores. Queria que acabasse para eles o que eles gostam de apelidar "encostos".
Queria que se vissem sem seus pais, seus irmãos e avós, pois morreram todos. Foram assinados pela sociedade.

Gostaria de ver os hipócritas sofrendo com suas próprias mentiras. De vê-los sem norte, sem ter a quem enganar.
Um mundo cheio de alienados, é o que temos! Um mundo cheio de porcarias, um mundo no qual não há HUMANIZAÇÃO.
Um mundo no qual você olha para um lado da rua, e vê gente comendo lixo.
No outro, tem um McLanche Feliz sendo jogado fora - o que importa é o brinquedinho.

Eu me sinto envergonhada por viver em um mundo assim.
Em um mundo que todos são iguais, que todos pensam igual.
E que as únicas diferenças que existem sentenciam a sua morte.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

De volta para mim

Eu queria ter forças para enfrentar o que sinto, para lidar com as minhas confusões internas. Cansei de me tornar uma contradição para mim mesma, de ser um problema a mais para resolver.
Não tenho ânimo, não tenho fôlego.
Essa dor que me tira o ar e me causa tal desespero se desacomodou. Saiu do seu ponto de equilíbrio e está me tornando uma balança desregulada.
Quero me livrar disso, quero me livrar de mim.
Quero tirar daqui tudo que sou,
e voltar a ser quem eu costumava ser.

domingo, 9 de maio de 2010

Caindo em um abismo do meu próprio eu

Estou à beira de um abismo.
De um abismo de sofrimento e dor.
Me afundo cada vez mais, e mais, e mais...

Estou à beira da loucura,
beirando o desespero.

Me sinto um nada.
Me sinto apenas o resto.

Me vejo como um espelho: eu sou só reflexo.
Sou só o que vem depois.
O que bate e volta sem vida.

Vejo só o escuro.
E ele não para de me perseguir.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

O silêncio

O silêncio é o abrigo dos desalmados.
O encosto dos inconformados.

O silêncio é a calma do momento,
o distúrbio dos revoltados.

É o desalento de quem tenta.
É o choro de quem sente.

O silêncio não é só um estado.

O silêncio é desabafo,
o silêncio é transparente.
O silêncio é pra quem não fala, mas sente.

O silêncio é um adorno dos desinformados.

O silêncio é o mais alto dos gritos.
É um grito calado,
e um grito sofrido.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Meio

Quando eu penso em você eu deixo cair um pouco de mim.
Cai um pouco de mim e de tudo o que eu sou... Vou me perdendo aos poucos.

Não quero ir perdendo minha alma e virar, pouco a pouco, um meio termo do que sou. Não quero ser uma flor sem fragrância, um céu cinza, um coração que só bate, mas não sente.

Deixar você comigo me trona um meio-monstro.
Tirar você de mim me torna um meio-alguém.

Não sei o que faço.
Só sei que estou me perdendo.


Consigo ver o meu meio-fim.
O fim da minha alma, o resto do meu corpo.

Me casei

Eu me casei com a solidão.
Foi um casamento arranjado, eu não tive escolhas.

Entrei de branco no altar e ainda sorri para todos os -três- convidados: a tristeza, a saudade e a morte. Me desejaram felicidade; mas ela não pôde vir - e parece que não vai aparecer tão cedo no meu novo apê.

A tristeza e a saudade estão, sim, sempre presentes. Já a morte, diz que vai aparecer logo. Eu sinto que vai mesmo... Mas ela vem tão devagar. Está se aproximando tão lentamente que se ela não vier logo, vai chegar atrasada para cumprir sua missão.

Mas ando bem. Digo, dentro das possibilidades.
Meu casamento arranjado não está sendo um total fiasco. Estou lidando bem com a situação. Acho que logo, logo vou conseguir amar.